O clube da luta, vamos violar a primeira regra e falar sobre ele


          O clube da luta é o filme preferido de muita gente, o que é compreensível devido a sua complexidade psicológica, atmosfera obscura, bizarrices, ou a excelência na execução de tudo o que se propõe a fazer. Em fim, o filme é bom. Mas...
CUIDADO SPOILERS!!!!

          Logo de cara já nos deparamos com algo incomum, que é o fato da narrativa do filme se dar de forma não linear. A “volta no tempo” é algo frequente, mas não usado de maneira demasiada ou desnecessária, algumas vezes mostrando a mesma cena de uma perspectiva diferente.
          O filme é baseado em um livro de Chuck Palahniuk. Esse escritor faz parte de um movimento literário chamado “realismo sujo”. Esses escritores do realismo sujo escrevem sobre aspectos mais mundanos, bizarros e obscuros da vida. Isso é notável em várias cenas do filme. Eu sempre tenho em mente as cenas do Edward Norton visitando aqueles grupos de autoajuda, abraçando o cara gordo com seios e a mulher doente falando da sua solidão e vontade de fazer sexo.
Chuck Palahniuk
          Essa obscuridade é visível nas personagens, que são todas problemáticas e estranhas de uma maneira ou de outra. Aquela mulher que ele encontra nos grupos está sempre com um aspecto sujo, malcuidado, depressivo e fumando. O Brad Pitt sempre agindo revoltado e sem noção e o Edward Norton com problemas estranhos de insônia. Fora uma grande quantidade de personagens esquisitos que aparecem no decorrer da trama. Vale citar que o Jared Leto (coringa) está no filme.

Jared Leto no Clube da Luta
          A primeira vez que assisti eu era bem pequeno e fiquei acordado até tarde em um domingo, eu acho, e acabei assistindo ao filme. Ele me deu uma sensação esquisita, eu achei as cenas bem-feitas, mas, ao mesmo tempo, me deu um incômodo sério (o que não é de se admirar), ele me incomodou mesmo atualmente.


          Esses dias o escritor do livro esteve no Podcast do Joe Rogan (aquele comentarista do UFC), e olha a estória que ele contou...



          Muito boa essa estória... Ela resume todo o estilo do Chuck de escrever. Seu foco no que as pessoas sabem que existe mas se recusam a olhar. O bizarro da existência.

          Após rever o filme notei que é bem na cara que o Edward Norton e o Brad Pitt são a mesma pessoa. Eles usam a mesma mala, o Edward Norton tem insônias estranhas que fazem ele parar em outros lugares, e na hora que ele se soca pra simular que foi espancado pelo patrão, o narrador (que é o Edward Norton) menciona que aquilo estava sendo estranhamente parecido com a primeira vez que ele brigou com seu ainda não revelado outro “eu” (Brad Pitt).
          É engraçado ver a inveja reprimida e disfarçada do Edward Norton com relação ao Brad Pitt (sua outra personalidade). A vontade que ele tem de ser daquele jeito, mas, ao mesmo tempo, a vergonha de assumir isso.
          Eu considero que a dicotomia de “ser” e “querer ser” é um fator importantíssimo para que muita gente tenha uma certa veneração por esse filme. Todos querem fazer coisas que não tem coragem, ou que não são capazaes de fazer. Ser algo que não são, ou ainda mais comum, algo que são mas que não conseguem colocar pra fora. Enfim, todos têm seu "Brad Pitt" bem lá no fundo.


          Uma das coisas interessantes e diferentes do filme são suas mensagens subliminares, muito presentes no início do filme, e que voltam naquela última cena em que os prédios estão explodindo. O Brad Pitt aparece em vários frames antes de ser devidamente apresentado ao público. E quando é, vale citar, há uma cena muito interessante onde sua personagem coloca frames de filmes pornô nos filmes de cinema convencional. É o que chamamos de metalinguagem na literatura, a obra falando de si mesma.

Alguns dos frames com mensagem subliminar, onde o Brad Pitt aparece sem ser convencionalmente introduzido como personagem
          Há também o charme que as sociedades secretas possuem, que é ainda maior quando é uma sociedade secretas com regras memoráveis onde caras se encontram pra brigar.

           Uma curiosidade é que o Renzo Gracie fez algo similar. Só que sem as regras legais.



          Meu problema maior com o filme sempre foi um sentimento que ele passa. Existe algo de anticapitalista, desordeiro, revolucionário,  nele. E, inclusive, aqui fica minha dica, não estude política muito novo, anule os seus votos até você ter uns trinta anos, estar casado, ter filhos e uma vida sossegada. Porque você passa a notar a influência da política nas coisas (arte principalmente), às vezes até de maneira inconsciente para os autores. Basta notar o fato de que o escritor do livro se professa ateu e parece ter certa empatia pelo comunismo.

            Em uma entrevista com um site chamado "Unbound Worlds" o autor chegou a afirmar que se identificava com o Upton Sinclair (outro autor que sente empatia com o comunismo) com relação a muitas pessoas não entenderem o significado de sua mensagem e citá-lo de maneira contraditória. Ele inclusive menciona que o livro "jungle" de Upton Sinclair era para ter sido o “Manifesto Comunista” americano, embora as pessoas não tivessem entendido isso. Daí ele faz uma comparação com as pessoas que não entendem a mensagem do “Clube da Luta”. Clique aqui para acessar se quiser.
          Há pouco, li um livro do Jack London, escritor que teve uma vida familiar muito complicada (assim como Chuck Palahniuk), se professava ateu (assim como Chuck Palahniuk), e era marxista (assim como Chuck parece ser). Quando se analisa dessa maneira fica compreensível o fato de que Chuck e London sejam ateus e gostem de teoria socialista.
          O livro que eu li do Jack London foi o “Chamado da selva” (The call of the wild no original). Nota-se nesse livro, em vários trechos e também na ideia geral, as crenças do seu autor. "Buck" (o cachorro que protagoniza a história) começa como um cachorro de raça, bem cuidado, com uma vida tranquila na propriedade de seu dono rico, mas… Alerta de SPOILER!!!! Ele termina sendo sequestrado e vendido para ser usado como aqueles cães que puxam trenó no Canadá. Ao longo da história nota-se a influência da ideia do “bom selvagem” conforme Buck vai se tornando parecido com os lobos e cães selvagens que o acompanham na sua jornada.
         O mesmo padrão é encontrado no “Clube da luta”, pois críticas ao consumismo são até interessantes, mas o filme, e imagino que isso também se encontre no livro, possui um “q” de revolucionário, anticapitalista, desordeiro. Um certo grito de “Abaixo à sociedade!” bem no fundo da garganta, que me incomoda.
          Mas, mesmo eu sendo uma espécie de defensor ferrenho do capitalismo, concordo com alguns pontos existencialistas da obra. Como por exemplo:



             Profundo, muito profundo... Sem brincadeira.
          Me lembro de ver na TV uma mulher que era viciada no prazer de comprar as coisas. Ela possuía mais de 100 pares de sapatos (dos quais não havia usado muitos), uma cacetada de vestidos, blusas e outras roupas. Ela admitia que muitas vezes comprava pelo prazer de comprar, e por estar deprimida. Comprar ajudava ela a se erguer emocionalmente, ela comprava para amenizar algum vazio existencial ou dor grande causada por alguma coisa.


          Fora as pessoas que compram coisas por status, para serem reconhecidas e preencherem seu vazio existencial de maneira não plena e temporária.
          Em certa situação, uma pessoa mencionou que quando alguém não tem como lidar com o sofrimento esse alguém come. “Vocês não conseguem entender isso não gente!?” disse ela. A pessoa que disse isso já tinha mencionado que teve problemas com sobrepeso. Com aquele comentário pude notar que comer foi sua maneira de lidar com o sofrimento. Semelhante à viciada em comprar.
          Comer, especialmente comidas tidas como porcaria, gera uma sensação momentânea de prazer que pode ser usado para aliviar a dor de um sofrimento maior. Várias pessoas depressivas comem para aliviar sua depressão, é o famoso um passo pra frente para dar dois para trás. Ao problema que se tinha antes é acrescentado o problema da obesidade, e nada é resolvido.


          Nós sofremos muito ao longo das nossas vidas e sempre buscamos uma maneira de lidar com esse sofrimento. Viver é sofrer não importa o que façamos. O simples fato de saber da efêmeridade da existência pode se tornar uma neurose absurda. Fora todo sofrimento causado pelas pessoas, que nos machuca muito mais que qualquer outra coisa, principalmente aquele causado por quem nós amamos.


          Para lidar com esses sofrimentos nós usamos uma infinidade de maneiras. Um come, outro se masturba, um terceiro bebe e um quarto compra por comprar. Todas essas atividades causam prazer momentâneo que usamos para fugir da dor, da responsabilidade de enfrentar o problema de verdade da maneira certa.
          O capitalismo aumentou nossa oferta de opções pra lidar com o sofrimento dessa maneira, um grande exemplo disso são os videogames que por si só são bons, mas os jovens fazem uso deles de maneira a procrastinar. No entanto, a crítica deve ser sempre voltada para o nosso mal uso daquilo que nos é proporcionado pelo capitalismo, e não contra o capitalismo.
        O prazer pode ser comprado, mas não a felicidade. Felicidade é algo diferente, ela é encontrada escondida atrás de uma montanha chamada sofrimento. A dificuldade de alcançá-la é parte do que a torna especial. É sempre algo que só o indivíduo pode conquistar para si através do enfrentamento do sofrimento, ninguém mais pode fazer isso por ele. Esses prazeres fáceis são como jogar sujeira pra debaixo do tapete, aliviam temporariamente nossas dores mas são fuga que usamos para adiar as soluções reais que demandam muito mais de nós. Mas isso tudo é problema das pessoas, não do capitalismo.
          Seja qual for o problema que alguém tenha, destruir a sociedade não ajuda…
               De qualquer jeito, Ótimo filme.

Comentários

  1. Fantástico! Gostei muito mesmo! Muito bem escrito esse post!
    As ideias abordadas, as explicações, a estrutura. Muito bom mesmo, parabéns!
    Aguardando os próximos.

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